Shakespeare tem muito a ensinar sobre medicina

Ricardo Bonalume Neto

de São Paulo

O autor de peças clássicas como "Hamlet" e "Romeu e Julieta" não foi apenas um dos mais importantes dramaturgos da história. William Shakespeare (1564-1616) também tem muito o que ensinar sobre medicina, segundo o médico britânico Kenneth Heaton, da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Os sintomas e as sensações de muitos personagens indicam que Shakespeare tinha uma noção particularmente aguçada do relacionamento entre mente e corpo.



E essa característica parece ser quase única dele. Heaton analisou um número semelhante de peças e poemas contemporâneos de outros autores e notou que esse traço não era tão comum.


"Shakespeare era excepcional no uso de distúrbios sensoriais para expressar perturbações emocionais", escreveu Heaton na revista "Medical Humanities".

Ele estudou 42 obras do "Bardo" e 46 de outros autores, como John Marston.


MÉDICOS MELHORES

Ele argumenta: "Muitos médicos relutam em atribuir sintomas físicos à perturbação emocional. Isso resulta em atraso no diagnóstico, excesso de investigação e tratamento inadequado. Eles poderiam ser médicos melhores estudando Shakespeare."

"Na minha carreira de gastroenterologista, vi muitos pacientes com sintomas funcionais, sem nenhuma causa orgânica, especialmente síndrome do cólon irritável. Perguntando a eles sobre suas vidas quando os sintomas começaram, ficou óbvio que era geralmente em momentos de angústia emocional, hoje chamada de estresse", disse Heaton à Folha.

As mudanças sensoriais examinadas no comportamento e na descrição dos personagens de Shakespeare são induzidas por estresse, mas o texto nem sempre permite um diagnóstico preciso.

Heaton descobriu cinco ou seis casos de vertigem ou tontura em obras de Shakespeare e só uma em outros autores; 11 ou 12 casos de falta de ar contra dois; três casos de surdez no britânico e nenhum nos seus contemporâneos; entre outros exemplos.

"Esse estudo demonstrou que Shakespeare frequentemente usa sensações corporais desagradáveis como sinais de estresse mental e faz isso muito mais do que seus contemporâneos."

Por exemplo, a heroína trágica Julieta sente "um fraco medo frio" passando por suas veias antes de tomar a poção que simularia sua morte.

"Alguém sentindo frio devido ao medo fica pálido; a frieza e palidez de Julieta vêm da diminuição do fluxo de sangue através da pele."

"Com demasiada frequência, cuidadores evitam tentar descobrir as emoções por trás de queixas físicas e preferem dar aos seus pacientes rótulos que evitam julgamento, como 'sintomas medicamente inexplicáveis'. Eles reconhecem o papel da ansiedade e da dor em gerar doenças orgânicas e de comportamento, mas negam o papel da emoção na produção dos sintomas", afirma.

"Shakespeare pintou esses sintomas como reações humanas naturais aos estresses da vida", conclui o médico.


FONTE: Folha de São Paulo, 12/12/2011

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